terça-feira, 2 de julho de 2013

O Ego e a Arte da Oratória


 Por - Geraldo Esteves Sobrinho
    
“O exímio iniciado norte-americano, Emerson, ouviu esplêndido discurso de um elegante orador. Ao término do discurso todos aplaudiram entusiasticamente, menos Emerson. Quando lhe perguntaram se não havia gostado, respondeu: ‘não pude ouvir o que ele disse, porque aquilo que ele é trovejava mais alto’ ”.[1]
      A arte de falar em público é uma das mais fascinantes e perigosas, capaz de empolgar as pessoas, envolvendo-as num clima de bem estar e elevação moral ou precipitando-as pelos terríveis despenhadeiros da insensatez e loucura.
      Desde os primórdios da civilização a palavra falada, aliada à boa retórica, exerce poder de sedução, persuadindo e convencendo os ouvintes. Em todos os segmentos das atividades humanas: educação, política, religião etc, ela exerce papel fundamental na concretização dos objetivos esposados.
      Esta história verídica, acima relatada, nos remete a uma reflexão profunda em relação àqueles que fazem uso do verbo, especificamente na seara bendita do Senhor, independentemente do credo religioso ou filosófico que professam.
      Em meio a um auditório atento ao conteúdo da palestra, havia alguém sensível às impressões, digamos, “ocultas”, oriundas do interior daquele que fazia uso da palavra e encantava a todos. A resposta de Emerson nos revela duas coisas: sensatez e um ensinamento acerca da personalidade humana. Poderia ele ter dito que gostou ou não, mas preferiu a sinceridade e se manteve neutro. Quanto à segunda, retrata a existência do Eu e do(s) ego(s), ou seja, o que somos na realidade e a imagem ou imagens que construímos por conveniência. Ao dizer: “aquilo que ele é trovejava mais alto” o exímio iniciado chama a atenção para a questão da incoerência em nossas vidas, caracterizada pela incompatibilidade entre o falar e o fazer.
      Eis aí a grande dificuldade vivida pelos que trabalham com o dom da fala. Como tornar o meu verbo inflamado, capaz de penetrar a alma dos que me ouvem, tocar seus sentimentos mais profundos, contribuindo para o seu despertar, se o que digo não corresponde ao que vivo? “Seja, porém, tua palavra, sim, sim; não, não. O que, disto passar, vem do maligno” (Mateus, 5:37), asseverou o meigo Rabi, advertindo-nos quanto a vida dupla.
      Contudo, esperar a conquista da perfeição moral para começarmos a servir a Deus é, usando um provérbio popular, “passar a carroça na frente dos bois”. O que se cogita é a aplicação daquelas sábias palavras do mestre lionês Allan Kardec: “reconhece-se o verdadeiro espírita pelo esforço que faz para domar suas más tendências e vícios de toda ordem”. Tão somente isso! Mais nada, pois, a palavra “esforço” sintetiza uma gama de procedimentos, a saber: renúncia, abnegação, devoção, lapidação interior na luta consigo mesmo.
      Acha difícil? Mas quem disse que seria fácil? Jesus ou qualquer Instrutor Espiritual não falou que seria, mas também não mencionou ser impossível, muito pelo contrário. Percebemos claramente em seus ensinamentos uma constante disposição em nos impulsionar para frente e para o alto, descortinando a realidade nua e crua, com as dificuldades e armadilhas que a jornada reserva aos viajores. Um erro crasso que cometemos é desejar ansiosamente resultados imediatos que só o “tempo de Deus” vai realizar gradativamente em nós. Não nos iludamos! Abandonemos a hipocrisia e enfrentemos a realidade interior, fruto de nossas opções equivocadas. Pode parecer paradoxal, mas a tão almejada elevação espiritual implica no rebaixamento de nós mesmos. Pensemos nisso!
      Vaidade, personalismo e sentimento de autossuficiência continuam sendo grandes escolhos da prática mediúnica. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, por si só, estas palavras do Mestre não dizem tudo, mas dizem o suficiente. Sabe por quê? Como todo Sábio Ele conversava pouco e pensava mais. Existe um complemento oculto e que às vezes passa despercebido pela imensa maioria dos aprendizes que somos: DEPENDE DO QUE FIZERMOS COM ESTA VERDADE. Conhecimento por si só não liberta. O ato de se libertar encontra-se vinculado ao de fazer, agir, realizar, a partir do livre-arbítrio concedido a cada um.
      Se escolhemos servir o Alto com a devida pureza de coração que tal mister exige, urge o façamos concomitantemente praticando a indispensável vigilância sobre nós mesmos. Conquanto a evolução espiritual não permita saltos ou queima de etapas, caminhar com os pés no chão, reconhecendo as próprias deficiências e limitações, sem pruridos de santidade, é atitude salutar e racional, na árdua tarefa da autoiluminação. E para isso necessário se faz dilatarmos o entendimento da palavra “esforço”, acima referida. Nossa redenção depende da fiel aplicação dela em cada ato de encenação no palco da vida.

O autor é bacharel em Direito, Pedagogo, escritor, poeta e orador espírita, atuando no movimento espírita de Guarapari – ES.
Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo de janeiro de 2013 – Casa Editora O Clarim – Matão – SP.



[1] ROHDEN, Huberto. Educação do homem integral. 7. Ed. São Paulo: MARTIN CLARET, 1998. P. 20.

A síndrome de CIMM

                                                                 
Por - Geraldo Esteves Sobrinho  
Indubitavelmente o homem, este animal social dotado de razão, não é uma ilha. Viver em grupo o fortalece e enriquece de experiências múltiplas impulsionando-o na longa jornada evolutiva. Mesmo nas espécies animais irracionais observamos que a vida em conjunto favorece a satisfação das necessidades de sobrevivência.
A mãe natureza é pródiga em ministrar sábios ensinamentos. Basta somente ampliarmos os canais de percepção, aguçando a sensibilidade, para nos tornarmos bons receptores das lições.
Dentro do contexto esposado, no que tange ao inter-relacionamento das espécies, podemos citar a magnífica vida das abelhas e formigas. As estruturas destas comunidades primam pela organização, zelo, trabalho e respeito. Muitos poderão alegar que elas agem por instinto. Mas não é bem assim. A ciência já desvendou que as atividades realizadas pelas espécies ditas irracionais não são totalmente mecânicas. Partem da manifestação de uma inteligência rudimentar, culminando em verdadeiros lampejos de raciocínio elaborado. Isto se verifica facilmente em animais que já conquistaram maior nível de evolução, como os golfinhos, cavalos, elefantes etc.
Nesta altura da leitura, muitos podem estar indagando onde o autor deste artigo pretende chegar. Elementar, caros leitores! O objetivo reside em focar um assunto importantíssimo, complexo e inevitável na vida cotidiana. Trata-se do relacionamento humano. Entretanto, vamos nos ater à questão em sua aplicação limitada às atividades na seara espírita.
O movimento espírita, fiel aos postulados da codificação Kardequiana equipara-se a um organismo vivo, uno e harmonioso. Numa visão mais diminuta figura o Centro Espírita como célula cujo objetivo é proporcionar equilíbrio e bem estar a este complexo orgânico. Ainda reduzindo microscopicamente nosso campo de observação, temos nos adeptos da Doutrina Consoladora, partes integrantes e, não menos importantes.
Acontece que algumas vezes estas células podem apresentar significativo comprometimento em sua eficiência, por despreparo e/ou invigilância. Assim sendo, a estrutura celular se abala, refletindo no todo orgânico.
A síndrome de CIMM é um conjunto de sintomas que se apresentam caracterizando um desequilíbrio de consequências, volta e meia, desastrosas. Nasce sorrateiramente nas mentes e se dissemina numa infecção virótica. Particularmente já observei sua manifestação e prejuízos. E como vivi esta experiência, não poderia pecar por omissão, evitando alertar aqueles que militam seriamente no campo prático da Doutrina.
A CIMM é composta pelos vírus perniciosos da competição, inveja, maledicência e mistificação; daí a sigla escolhida. A denominação “vírus” é apropriada, uma vez que em sentido figurado tal palavra expressa um princípio de contágio moral mórbido.
À competição, cabe a infeliz missão de insuflar sentimento de disputa. Afinal de contas alguns precisam mostrar quem é o melhor médium, quem trabalha mais, manda mais etc.
A inveja assume o propósito mesquinho de intensificar o desejo descontrolado de ser ou obter aquilo que está no outro.
O vírus da maledicência (dizer mal) envenena toda a casa espírita e encontra sua razão de ser no cultivo dos outros dois acima descritos.
Por fim, à mistificação atribui-se o desserviço de ludibriar o grupo e a fé alheia. Tal condição muitas vezes não nasce somente da ignorância ou despreparo, mas de atitude consciente e premeditada, visando o reconhecimento e glória de faculdades das quais não se é portador.
Urge, portanto, calarmos os ciúmes e vaidades pessoais, evitando servir de instrumento daqueles que espreitam e preparam armadilhas visando prejudicar o avanço da Luz.
Considerando, pois, que não somos ilhas isoladas no mar (muitas vezes revolto) da existência, cada qual carrega consigo a responsabilidade pelos acertos ou desacertos no trato das coisas sagradas.

****************************************************
(Artigo publicado no Jornal O Clarim de outubro/12 – Casa Editora O Clarim – Matão - SP)
O autor é bacharel em Direito, Pedagogo, poeta, orador e escritor espírita, militando atualmente no movimento espírita de Guarapari - ES, onde reside. Contatos: geraldoestevessobrinho@yahoo.com.br.