“O exímio iniciado norte-americano,
Emerson, ouviu esplêndido discurso de um elegante orador. Ao término do
discurso todos aplaudiram entusiasticamente, menos Emerson. Quando lhe
perguntaram se não havia gostado, respondeu: ‘não pude ouvir o que ele disse,
porque aquilo que ele é trovejava mais alto’ ”.[1]
A arte de falar em público é uma das mais
fascinantes e perigosas, capaz de empolgar as pessoas, envolvendo-as num clima
de bem estar e elevação moral ou precipitando-as pelos terríveis despenhadeiros
da insensatez e loucura.
Desde os primórdios da civilização a
palavra falada, aliada à boa retórica, exerce poder de sedução, persuadindo e
convencendo os ouvintes. Em todos os segmentos das atividades humanas: educação,
política, religião etc, ela exerce papel fundamental na concretização dos
objetivos esposados.
Esta história verídica, acima relatada,
nos remete a uma reflexão profunda em relação àqueles que fazem uso do verbo,
especificamente na seara bendita do Senhor, independentemente do credo
religioso ou filosófico que professam.
Em meio a um auditório atento ao conteúdo
da palestra, havia alguém sensível às impressões, digamos, “ocultas”, oriundas
do interior daquele que fazia uso da palavra e encantava a todos. A resposta de
Emerson nos revela duas coisas: sensatez e um ensinamento acerca da
personalidade humana. Poderia ele ter dito que gostou ou não, mas preferiu a
sinceridade e se manteve neutro. Quanto à segunda, retrata a existência do Eu e
do(s) ego(s), ou seja, o que somos na realidade e a imagem ou imagens que
construímos por conveniência. Ao dizer: “aquilo que ele é trovejava mais alto”
o exímio iniciado chama a atenção para a questão da incoerência em nossas
vidas, caracterizada pela incompatibilidade entre o falar e o fazer.
Eis aí a grande dificuldade vivida pelos
que trabalham com o dom da fala. Como tornar o meu verbo inflamado, capaz de
penetrar a alma dos que me ouvem, tocar seus sentimentos mais profundos,
contribuindo para o seu despertar, se o que digo não corresponde ao que vivo?
“Seja, porém, tua palavra, sim, sim; não, não. O que, disto passar, vem do
maligno” (Mateus, 5:37), asseverou o meigo Rabi, advertindo-nos quanto a vida
dupla.
Contudo, esperar a conquista da perfeição
moral para começarmos a servir a Deus é, usando um provérbio popular, “passar a
carroça na frente dos bois”. O que se cogita é a aplicação daquelas sábias
palavras do mestre lionês Allan Kardec: “reconhece-se o verdadeiro espírita
pelo esforço que faz para domar suas
más tendências e vícios de toda ordem”. Tão somente isso! Mais nada, pois, a
palavra “esforço” sintetiza uma gama de procedimentos, a saber: renúncia,
abnegação, devoção, lapidação interior na luta consigo mesmo.
Acha difícil? Mas quem disse que seria
fácil? Jesus ou qualquer Instrutor Espiritual não falou que seria, mas também
não mencionou ser impossível, muito pelo contrário. Percebemos claramente em
seus ensinamentos uma constante disposição em nos impulsionar para frente e
para o alto, descortinando a realidade nua e crua, com as dificuldades e
armadilhas que a jornada reserva aos viajores. Um erro crasso que cometemos é
desejar ansiosamente resultados imediatos que só o “tempo de Deus” vai realizar
gradativamente em nós. Não nos iludamos! Abandonemos a hipocrisia e enfrentemos
a realidade interior, fruto de nossas opções equivocadas. Pode parecer
paradoxal, mas a tão almejada elevação espiritual implica no rebaixamento de
nós mesmos. Pensemos nisso!
Vaidade, personalismo e sentimento de autossuficiência
continuam sendo grandes escolhos da prática mediúnica. “Conhecereis a verdade e
a verdade vos libertará”, por si só, estas palavras do Mestre não dizem tudo,
mas dizem o suficiente. Sabe por quê? Como todo Sábio Ele conversava pouco e
pensava mais. Existe um complemento oculto e que às vezes passa despercebido
pela imensa maioria dos aprendizes que somos: DEPENDE DO QUE FIZERMOS COM ESTA
VERDADE. Conhecimento por si só não liberta. O ato de se libertar encontra-se
vinculado ao de fazer, agir, realizar, a partir do livre-arbítrio concedido a
cada um.
Se escolhemos servir o Alto com a devida
pureza de coração que tal mister exige, urge o façamos concomitantemente
praticando a indispensável vigilância sobre nós mesmos. Conquanto a evolução
espiritual não permita saltos ou queima de etapas, caminhar com os pés no chão,
reconhecendo as próprias deficiências e limitações, sem pruridos de santidade,
é atitude salutar e racional, na árdua tarefa da autoiluminação. E para isso
necessário se faz dilatarmos o entendimento da palavra “esforço”, acima
referida. Nossa redenção depende da fiel aplicação dela em cada ato de
encenação no palco da vida.
O
autor é bacharel em Direito, Pedagogo, escritor, poeta e orador espírita,
atuando no movimento espírita de Guarapari – ES.
Artigo
publicado na Revista Internacional de Espiritismo de janeiro de 2013 – Casa Editora O Clarim – Matão – SP.